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Tempo de Recomeçar - Capítulo 1 (primeira parte)

 




Tempo de Recomeçar

 



Prólogo

Eu estava tão nervosa naquela manhã que mal conseguia colocar aqueles brincos, tamanha era a minha tremedeira. Eu ganhei no meu aniversário de quarenta e cinco anos e estava usando pela primeira vez aos cinquenta e um. Eram simples, duas pérolas. Então peguei aquela caixa de veludo forrada de cetim, e decidi usar o colar e a meia aliança de pérolas baby.

Pulei de susto ao ouvir as buzinadas impacientes da minha amiga Sofia que me aguardava no carro em frente à minha casa.

— Vamos amiga, não vai querer chegar atrasada na sua primeira tarde de autógrafos vai?

Sofia era tão descontraída, quase inabalável. Teve um casamento conturbado e violento, muitas vezes - como éramos vizinhas - ela entrou na minha casa aos prantos e sempre com algum hematoma. Eu não entendia o porquê ela não se separava. Era bem-sucedida no ramo de móveis planejados, três anos mais nova que eu. Tinha um casal de filhos crescidos e agora já tinha um netinho que era sua razão de viver.

Eu entendia, também era avó.

Esborrifei meu perfume favorito, peguei a bolsa e dei uma última olhada no espelho, gostei do que vi. Fui obesa na infância e adolescência, sofri muito preconceito com isso, consegui estabilizar meu peso depois dos quarenta e tantos anos. Não era adepta de procedimentos estéticos, mas não era contra também. A mulher é livre para fazer consigo o que quiser, mas muitas não conseguem se sentir assim. Em pleno século XXI e vivemos numa época de grande discriminação por idade, contra indivíduos ou grupos etários com base em estereótipos. Infelizmente muitas mulheres não tem força ou coragem de se libertar, e vivem oprimidas debaixo desse fardo chamado etarismo.

E lá estava eu, uma simples dona de casa, uma nova mulher a caminho de uma nova etapa de vida em plena maturidade. Sempre sonhei em ser escritora, mas os acontecimentos da vida limitaram minhas oportunidades de estudos. E agora ali estava eu, olhando para meu reflexo e cheia de orgulho indo para o lançamento do meu primeiro romance.

— Liza, vamos! – Sofia estava tão eufórica quanto eu, uma amizade de mais de vinte anos com histórias de risos e muitas lágrimas. Mas vencemos, ela empresária e eu escritora.

Era tão estranho e ao mesmo tempo excitante me chamar assim, escritora. Então com um sorriso de aprovação ergui a cabeça e fui ao que se tornaria o início de uma grande carreira.

Minha amiga também me olhou com total aprovação da minha escolha. Usava um vestido tubinho preto e um tailleur verde folha com um único botão cravejado de pedrarias coloridas bem pequenas. Valorizava a cor dos meus olhos, e também com o tempo típico de São Paulo no mês de junho, frio e garoa. Uma meia de seda preta e sapato preto, já não era mais um scarpin, mas era um belo modelo de salto grosso e envernizado. Coisas que fui trocando conforme a idade veio chegando. Eu ficaria muito tempo em pé durante a sessão de autógrafos e fotos, e se tinha uma coisa que eu prezava muito, era o conforto dos meus pés. Prendi meu cabelo num coque frouxo com algumas mexas soltas. Havia tomado a decisão de deixar ficar grisalho há alguns anos. Lembro quantas críticas ouvi com isso, mas para mim só importava uma opinião, a minha. E eu gostava dos meus grisalhos, não eram muitos, mas já se notava muito bem. Quando ia ao salão de beleza recebia muitos elogios por ser mais acinzentado do que branco. E exigiam muito cuidado para não amarelar os fios já brancos. Diziam que combinava com meus olhos verdes, e minha pele que também eu cuidava bem. A maquiagem era leve do tipo nude e mate, não estava indo em à festa então tudo precisava estar moderado, era como eu gostava.

Chegamos ao shopping meia hora antes do combinado, tempo suficiente para que eu me acomodasse na minha mesa com alguns livros, uma garrafa de água e uma taça.

Eu estava bem apreensiva sobre a quantidade de pessoas que teria, ou não teria ninguém. Confesso que me surpreendi ao ver tanta gente, mas o que me deixou surpresa mesmo foi a revista local que também estaria lá. Significava uma entrevista? Por sorte lembrei de colocar meu remédio sublingual para crises de ansiedade que pouco mais de um ano começaram a se manifestar com uma certa frequência. Tudo aquilo de repente parecia estar acontecendo em câmera lenta, as pessoas falando e aplaudindo enquanto eu me aproximava da mesa. Um certo torpor estava me invadindo, as pessoas moviam os lábios, mas eu não as ouvia mais. Bem longe alguém chamava pelo meu nome, como se eu tivesse tomado um choque eu voltei à realidade, meio assustada, notei que tudo tinha voltado ao normal.

— Amiga você está bem? – Perguntou Sofia bem apreensiva.

 Sim – Respondi tentando parecer o mais natural possível – Foi apenas uma emoção muito forte, está send—o na verdade, mas agora eu estou bem. Depois de sairmos daqui vou te levar para jantar – Eu disse para minha amiga tentando tranquiliza-la.

Após quase quatro horas autografando livros e tirando fotos com as leitoras, enfim, a revista Classe A se aproximou de mim, eu fiquei muito feliz por isso.

— Eliza Mendes, poderia nos dar um momento por favor?

— Ora, mas é claro. – Respondi tentando mostrar confiança e calma. – Podem se sentar e ficar à vontade, temos mais umas duas horas pela frente. – Nos sentamos em alguns sofás disponíveis ali para nós.

— Recentemente você lançou um livreto de poesias, que foi um sucesso entre as mais românticas e agora estoura em vendas com seu primeiro romance. Como surgiu esse tema? Você abordou consideravelmente o casamento, é baseado em fatos reais?

Eu olhei para minha taça de água e subitamente senti um gosto amargo subindo em minha boca. Tudo era muito recente na minha vida e tinha acontecido de forma rápida demais para absorver. Parecia que nada tinha sentido, parecia irreal. Até me lembrar do momento, dos detalhes daquele dia fatídico e cheguei sentir a mão que apertava forte meu braço.





***

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